domingo, 29 de janeiro de 2012

Quimioterapia de altas doses e transplante autólogo de células progenitoras da medula óssea

1. Introdução Nos últimos trinta anos, muitos protocolos de quimioterapia combinada foram desenvolvidos para tratar a maioria das neoplasias hematológicas. Estes protocolos utilizam drogas com pouca toxicidade cruzada e são baseados no conceito de um melhor controle da neoplasia com a utilização de múltiplos agentes quimioterápicos. Embora em diversas doenças o tratamento com a quimioterapia convencional tenha alcançado respostas objetivas em muitos pacientes, para outros a resposta ao tratamento é pobre ou não é duradoura. Por estas razões, para o desenvolvimento de novas estratégias terapêuticas foi necessário criar mecanismos para suplantar a resistência à quimioterapia convencional. Desta forma, foram realizados diversos estudos laboratoriais onde verificou-se que o escalonamento de doses de muitas drogas (para doses 5-10 vezes maiores do que as convencionais) resultou em um melhor controle de algumas neoplasias. Estes estudos iniciais permitiram o desenvolvimento de uma nova estratégia terapêutica baseada na utilização de altas doses de quimioterapia com o objetivo de aumentar a taxa de resposta ao tratamento. 2. Base teórica da quimioterapia em altas doses O princípio básico da utilização deste tipo de procedimento vem do conhecimento de que certas neoplasias apresentam uma curva dose-resposta escalonada a certos medicamentos, isto é, a fração de células tumorais mortas aumenta à medida que aumenta-se a dose do quimioterápico. Desta forma, a estratégia se baseia em utilizar doses elevadas de quimioterápicos capazes de eliminar as células tumorais e restaurar a hematopoiese com as células progenitoras previamente coletadas e criopreservadas. Na literatura médica, a denominação "Transplante Autólogo de Medula Óssea" vem sendo gradativamente substituída pelo termo "quimioterapia de altas doses e transplante autólogo de células progenitoras da medula óssea", visto que a quimioterapia em altas doses é o princípio deste procedimento, e atualmente a maior parte dos centros de transplante utiliza as células progenitoras da medula óssea ("stem cells") coletadas do sangue periférico por meio de aférese, ao invés de coletá-las da medula óssea para o restabelecimento da hematopoiese. Embora haja relatos deste procedimento de 30 anos atrás, a sua utilização mais freqüente começou nos anos 80. 3. Etapas do procedimento 3.1 Mobilização e coleta das células progenitoras A mobilização consiste na etapa em que utiliza-se de fatores de crescimento e/ou quimioterápicos para facilitar a coleta das células progenitoras. Existem vários regimes de mobilização e a droga mais utilizada é a ciclofosfamida. Após um período curto de neutropenia, é iniciada a coleta de sangue periférico via aférese, e é neste momento em que há a maior concentração de células progenitoras circulantes. A aférese é realizada ou por veia periférica ou por um cateter venoso central. Menos freqüente nos dias de hoje é a utilização da coleta de medula óssea como meio de se obter as células progenitoras. Este procedimento é realizado no centro cirúrgico com o paciente sob anestesia geral, quando são realizados dezenas ou centenas de aspirados de medula óssea na crista ilíaca posterior, com o objetivo de se obter um volume aproximado de 10 ml/Kg de medula óssea. A utilização da coleta periférica das células progenitoras permitiu que o procedimento fosse feito ambulatorialmente, sem a necessidade de anestesia geral. Outro benefício observado com este procedimento é a diminuição do tempo de recuperação medular (tempo de recuperação da neutropenia e tempo de recuperação da trombocitopenia) após a quimioterapia em altas doses e redução das necessidades transfusionais. 3.2 Criopreservação Depois da coleta, as células progenitoras devem ser preservadas para poderem restaurar a hematopoiese após a quimioterapia em altas doses. As células são criopreservadas utilizando-se geralmente um congelamento programado com nitrogênio líquido e a substância DMSO (dimetil sulfóxido) como crioprotetor, impedindo a formação de cristais intracelulares. Geralmente, o produto colhido só está disponível para reinfusão duas semanas após a coleta, durante as quais são feitos testes de viabilidade para garantir a qualidade do enxerto. 3.3 Quimioterapia Neste momento o paciente recebe a quimioterapia e/ou radioterapia em dose elevada. Os protocolos de quimioterapia são desenhados de acordo com a neoplasia que está sendo tratada: seleciona-se um grupo de medicamentos com eficácia conhecida para a doença em questão e tenta-se maximizar a intensidade de dose. 3.4 Reinfusão Após a quimioterapia, as células progenitoras são descongeladas e reinfundidas no paciente num procedimento semelhante a uma transfusão sangüínea, no mesmo acesso venoso utilizado para quimioterapia (habitualmente um cateter de longa permanência semi-implantável). 3.5 Recuperação medular Após a quimioterapia observa-se queda progressiva dos valores hematimétricos. O paciente passa por um período de aplasia que dura até a restauração da hematopoiese pelas células progenitoras que foram reinfundidas. O período de neutropenia não é prolongado, sendo habitualmente inferior a duas semanas. 4. Aplicação clínica Atualmente, a quimioterapia em altas doses representa uma alternativa terapêutica comprovada para neoplasias hematológicas. Em determinadas situações é o tratamento de primeira linha, como no caso de pacientes com menos de 65 anos e mieloma múltiplo. Na Tabela 2, estão relacionadas as doenças que são tratadas com TAMO. 5. Problemas relacionados ao procedimento As complicações do procedimento a curto prazo estão relacionadas diretamente à toxicidade não-hematológica das drogas e/ou radioterapia e à mielossupressão provocada pela quimioterapia. A mortalidade relacionada à toxicidade da quimioterapia é atualmente baixa (inferior a 5% na maioria dos centros habilitados para o procedimento). Pode surgir infertilidade a longo prazo. Embora esta seja a complicação mais freqüente, pode ser superada com métodos modernos de coleta e criopreservação de esperma ou óvulos. Outras duas complicações são a catarata (nos pacientes submetidos à irradiação nodal total) e surgimento de outras neoplasias (principalmente síndrome mielodisplásica e leucemias agudas). 6. Conclusão A utilização de quimioterapia em altas doses e auto-transplante de células progenitoras constitui hoje uma modalidade terapêutica segura e eficaz contra várias neoplasias hematológicas. Em algumas situações pode ser um tratamento curativo (como nos pacientes em recaída de Doença de Hodgkin e recaída de linfoma não Hodgkin) e em outras fornecer uma maior sobrevida a doenças ainda sem cura (como nos pacientes com mieloma múltiplo). Bibliografia 1. Hematology Basic principles and Practice Hoffman terceira edição. 2. High Dose Cancer Therapy. Second Edition.