segunda-feira, 18 de março de 2013

ENTREVISTA ** IMPORTÂNCIA DA DOAÇÃO DE MEDULA ÓSSEA


Eu torço tanto, mas tanto, para que eu seja uma doadora compatível com alguém. E que dê certo!
Apesar do otimismo da entrevistada, pesquisas apontam que muitas pessoas que se cadastram como doadoras, desistem na fase final. Por medo, ou sei lá por que.
É importante, no momento de se cadastrar, que seja consciente e bem analisado. Que todas as dúvidas sejam sanadas.
Deve ser muito triste o doente encontrar um doador compatível, o que é tão difícil, e o processo não se finalizar.
Abaixo uma entrevista feita pelo dr. Drauzio Varela, com uma paciente, Juliana Serro,  que aguarda doador. Vamos sentir todas as sensações e angústias da entrevistada.
E também com a dra. Carmen Vergueiro que é hematologista na Santa Casa de São Paulo.


Muita gente confunde transplante de medula óssea com transplante da medula espinhal. Infelizmente, não se domina ainda a tecnologia necessária para transplantar um fragmento que seja da medula espinhal, isto é, da porção do sistema nervoso central que passa por dentro do canal localizado na coluna vertebral.
Quando se fala de transplante de medula óssea, estamos nos referindo a um procedimento clínico que possibilita retirar parte da medula alojada na cavidade interna de vários ossos, aquela parte que no esqueleto dos bovinos, por exemplo, chamamos de tutano.
A medula óssea é formada por tecido gorduroso no qual são fabricados os elementos figurados do sangue: hemácias ou glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas.
No entanto, ela pode entrar em falência e não ser mais capaz de produzir as células do sangue ou pode ser destruída completamente durante o tratamento de determinados tipos de câncer que exigem altas doses de medicamentos quimioterápicos e/ou de radioterapia. Em situações como essas, o transplante alógeno de medula óssea pode ser a única maneira de salvar muitas vidas. O procedimento é bastante simples. Colhe-se uma pequena quantidade de células progenitoras da medula óssea do doador e injeta-se no sangue periférico, na veia do receptor. Através da circulação, essas células atingirão o interior dos ossos, lugar onde mais gostam de viver, começarão a multiplicar-se e retomarão a atividade de produzir os componentes do sangue. Em pouco tempo, o doador terá recomposto completamente sua medula óssea e, se quiser, estará apto para uma nova doação.
Embora simples e possível de ser feito, esse procedimento esbarra num grande problema. Como se sabe, o organismo tem a capacidade de rejeitar tecidos que lhe são estranhos. No caso específico do transplante de medula óssea, essa rejeição tem características muito especiais que dificultam encontrar um doador compatível.

Vamos ser um doador?
Um grande abraço!!



Drauzio – Dra. Juliana Serro é advogada, depende de um transplante de medula óssea e não tem doador compatível na família. Vamos pedir-lhe que fale um pouco sobre sua experiência à espera de um doador compatível.
Juliana Serro – Descobri que tenho leucemia há mais ou menos um ano e meio. Tenho duas irmãs, mas nenhuma das duas é compatível comigo. Por isso me cadastrei no REDOME, esperando localizar um doador. Como Dra. Carmen disse, minha chance é muito pequena. Tomo medicamentos que conseguem controlar a doença, mas não curam.  Para quem tem leucemia ou outras doenças do sangue, a cura depende do transplante de medula óssea.
Ao perceber a falta de informação a respeito do assunto, entrei em contato com o Hemocentro da Santa Casa de São Paulo, o único lugar da cidade que, no momento, cadastra doadores de medula e, unindo pacientes e voluntários, formamos uma associação que se chama AMEO (Associação de Medula Óssea), cujo objetivo é aumentar o número de doadores voluntários inscritos.
Esse trabalho deixou evidente que o problema é a falta de informação. As pessoas são muito solidárias. Quando ficam sabendo que doar medula óssea é um procedimento bastante simples, a grande maioria vai se cadastrar.

À ESPERA DO TRANSPLANTE
Drauzio – No seu caso particular, como é o tratamento que está fazendo depois que a doença foi diagnosticada?
Juliana Serro – Graças a Deus, sou portadora de leucemia crônica, uma doença que, por enquanto, estou conseguindo controlar com medicamentos.
Drauzio – Você consegue conviver bem com a medicação?
Juliana Serro – O medicamento tem alguns efeitos colaterais. Tenho muito sono, um pouco de inchaço e de retenção de líquido, mas são efeitos adversos com os quais consigo conviver e me deixam levar vida normal. No entanto, isso não acontece com a maioria das leucemias. Nesse aspecto, a leucemia crônica é quase uma exceção. Muitas pessoas têm leucemia aguda e não dispõem de muito tempo de vida para encontrar um doador. Por isso me envolvi nesse trabalho que tem surtido efeito, aumentando a esperança de quem precisa de um transplante de medula óssea.

Drauzio – ­Como você disse há dois tipos de leucemia. A leucemia aguda, uma doença mais agressiva e de evolução muito rápida, e a leucemia crônica que, embora não seja curada com medicação, responde ao tratamento durante muito tempo. Nesses casos, o transplante de medula óssea representa um tratamento de choque capaz de curar definitivamente a doença.  Como você se sente sabendo que, de certa forma, depende da boa vontade das pessoas em doar uma amostra de sangue para encontrar a medula óssea capaz de salvar sua vida?
Juliana Serro – É bastante complicado. Normalmente, encaro o problema com bastante esperança e continuo fazendo meu trabalho nessa campanha, tentando aumentar cada vez mais o número de doadores. Entretanto é óbvio que há ocasiões em que me desespero porque acho que estamos longe de conseguir um banco, um REDOME, com muitos doadores o que aumentaria nossa chance de cura. Na maior parte do tempo, porém, acho que as pessoas são muito solidárias e que, se a informação chegar até elas, estarão dispostas a colaborar com nossa causa.

Drauzio – Na AMEO, há pessoas que estão numa situação parecida com a sua. Você já acompanhou casos de pessoas que faleceram antes de conseguir uma medula compatível para transplante?
Juliana Serro – Já tivemos duas pessoas que faleceram enquanto procuravam doador. Eram pessoas próximas que participavam da campanha e tinham leucemia aguda. Como não podiam esperar mais, submeteram-se a um transplante autólogo, ou seja, da própria medula. Infelizmente, o tratamento não teve sucesso e elas faleceram.

TIPOS DE TRANSPLANTE
Drauzio – Explique um pouco o que é um transplante autólogo.
Carmen Vergueiro – No transplante autólogo, usa-se a medula do próprio paciente. Parte dela é retirada para ser recolocada depois, porque o que restar dela no organismo do paciente será completamente destruído. A ideia é de que se pode preservar a medula, enquanto ele recebe altas doses de quimioterapia, na verdade um tratamento de choque para erradicar a leucemia.Depois, as células-mães retiradas são devolvidas para recompor a medula óssea.
Como a leucemia é uma enfermidade que está dentro da medula é muito difícil conseguir que essas células estejam absolutamente limpas, livres da doença. Pode acontecer, então, que elas se proliferem e a doença volte.

Drauzio – Quer dizer que a medula óssea é retirada e conservada adequadamente. A seguir, o paciente recebe altas doses de quimioterapia que destroem não só o câncer, mas atacam outros tecidos também, entre eles a medula óssea que permaneceu no corpo do doente. Depois, o material colhido antes de iniciar o tratamento é devolvido ao paciente, todavia ele pode estar levando consigo células leucêmicas?  
Carmen Vergueiro – Parte-se da ideia de que é possível conseguir uma medula tratada, com poucas células malignas, mas a experiência mostra que os transplantes autólogos estão relacionados com alto índice de recidivas, porque não conta com o efeito imunológico dos transplantes alogênicos. Quando se coleta a medula de um doador estranho, de certa forma ela protege o receptor contra a volta da leucemia, pois assim como reconhece o organismo do paciente como estranho, reconhece como estranhos o tumor ou a leucemia.
Drauzio – Isso quer dizer que as células competentes imunologicamente do doador não só vão rejeitar os tecidos do receptor, como vão rejeitar as células leucêmicas.
Carmen Vergueiro – Está aí um dos grandes benefícios dos transplantes alogênicos, isto é, que utiliza a medula de outra pessoa.
Drauzio – Nos transplantes de medula óssea, o doente é tratado com doses maciças de quimioterápicos e radioterapia que destroem completamente sua medula. Passada essa fase de bombardeio, devolve-se a medula que foi retirada previamente (transplante autólogo) ou transplanta-se a medula de um doador (transplante alogênico). O que acontece com o paciente nesse período?
Carmen Vergueiro – Nessa fase se faz a mieloablação, ou seja, um tratamento que inclui altas doses de quimioterapia, o paciente para de produzir glóbulos brancos, glóbulos vermelhos e plaquetas e fica totalmente sem defesa. Esse é o grande perigo. Quando ele recebe de volta a própria medula ou a que foi doada por outra pessoa, por meio de uma simples transfusão de sangue, as células da medula vão migrar até os ossos onde funcionarão como um enxerto e levará tempo (mais ou menos duas semanas) para que sejam produzidas as novas células do sangue. Nesse intervalo, até que o paciente recupere a produção de glóbulos brancos, plaquetas e hemácias, seu estado é grave e ele precisa de grande suporte médico-hospitalar, porque não tem sistema de defesa e o risco que corre é alto.




REAÇÂO DOS DOADORES
Drauzio – Juliana, quando vocês tentam convencer as pessoas a se cadastrarem como doadoras de medula óssea, quais são as dúvidas mais frequentes?
Juliana Serro – As pessoas costumam confundir medula óssea com medula espinhal e temem ficar paraplégicas caso façam uma doação da medula óssea. Outra dúvida é se a medula óssea pode ser doada mais de uma vez. Explicamos que, como a medula se recompõe após a doação, a pessoa pode doá-la tantas vezes quantas sejam necessárias, o que não é comum tendo em vista a dificuldade de servir como doadora.
No entanto, se doar pelo REDOME e, mais tarde, descobrir que um parente seu precisa de sua medula, ela pode doar novamente sem nenhum problema.
Drauzio – Na verdade, essa medula que foi doada não faz falta nenhuma para o doador.
Juliana Serro – Não há prejuízo nenhum para o doador, já que a medula se recompõe em poucos dias.



Drauzio – O que deve fazer uma pessoa que deseja doar a medula óssea?
Juliana Serro – Em São Paulo, a pessoa deve dirigir-se ao Hemocentro da Santa Casa de Misericórdia e dizer que deseja doar a medula. Uma enfermeira ou um médico vão explicar-lhe como funciona e qual é o procedimento da doação de medula óssea e elucidar possíveis dúvidas.
Depois disso, se a pessoa quiser realmente ser doadora, irá preencher um cadastro e coletar uma pequena amostra de sangue para um exame de tipagem do sangue, ou seja, um exame de compatibilidade, cujo resultado será encaminhado ao REDOME.
Drauzio – A pessoa perde muito tempo para fazer isso?
Juliana Serro – Não perde. Em 15, 20 minutos no máximo a pessoa consegue cadastrar-se como doadora. É rápido e o horário de atendimento bastante amplo. Vai das sete horas da manhã às seis da tarde durante a semana e, aos sábados, das sete às quinze horas. É muito pouco tempo diante do benefício que ela estará prestando a quem depende do transplante de medula óssea para viver.
Drauzio – Já aconteceu de alguém se ter cadastrado e desistido na hora em que foi convocado para doar a medula?
Juliana Serro – Às vezes, acontece. As pessoas se cadastram por impulso sem estar bem informadas e conscientes do que estão fazendo. Algumas, quando são reconvocadas dizem – “Ah, pensei melhor… acho que vou desmaiar ou minha mãe não me deixa…”.
Por isso nosso esforço é para que as pessoas se inscrevam sabendo o que estão fazendo e tendo consciência da importância gesto. Como demora em média três meses o processo de busca até chegar ao doador e coletar a medula, a desistência pode representar a perda de um tempo que o paciente não mais dispõe na vida.
Drauzio – É importante deixar claro que a doação de medula é desprovida de qualquer complicação e que podemos doá-la sem que nos faça nenhuma falta.
Carmen Vergueiro – Doar a medula óssea é um procedimento simples que pode salvar vidas. A doação não traz nenhum risco para o doador, pois em pouco tempo sua medula estará completamente regenerada.